O Flamengo se preocupa com o futuro do Maracanã?

Saber o estádio em que vai jogar e em que condições é crítico para o futuro de qualquer clube, mas o Flamengo parece não se dar conta disso.




Não foi surpresa pra mim que o modelo anunciado para a licitação do Maracanã excluísse a possibilidade dos clubes participarem da concorrência. Com quem conversava sobre o assunto, eu lembrava que já haviam soltado antes um outro edital, depois cancelado, exatamente com esta condição. É a maneira mais fácil de evitar qualquer possibilidade de entregar o estádio a um só clube, movimento que seria delicadíssimo politicamente. E o Maracanã, desde sempre, foi um espaço para políticos fazerem política. Eduardo Paes, por exemplo, saiu de seu antigo partido para entrar no do governo justamente assumindo a Suderj, antes de sair candidato a prefeito.

Independente disso: o Flamengo precisava ter se mexido, há muito tempo, em relação ao Maracanã. O modelo de negócio de todo clube de futebol relevante no cenário mundial se apoia basicamente em três grandes fontes de receitas: TV, marketing e estádio. Ao ficar inerte, esperando pra ver o que iria acontecer, sem nem procurar se envolver no processo de formatação do edital nem procurar alternativas possíveis ao estádio, a diretoria simplesmente deixou de se planejar quanto a um terço da base futura da instituição - e isso em um momento em que boa parte da "concorrência" se prepara para entrar em uma nova era de estádios atualizados, com enorme potencial de receitas novas. O Flamengo está claramente se deixando ficar pra trás, e os dirigentes atuais parecem não se dar conta.

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No duro, eu sou contra gastar-se dinheiro público como está acontecendo com o Maracanã para, no fim, entregar de mão beijada para a iniciativa privada, em um modelo em que a conta sabidamente e declaradamente não fecha para o Estado - é incrível que aceitemos isso tão passivamente, com explicações tão simplórias quanto as que estão sendo dadas. E seria contra mesmo que entregassem ao Flamengo. Mas não é o que vai acontecer. Ainda assim, talvez até pudesse ser compensador para o Flamengo seguir jogando lá, dependendo do modelo que vá ser usado para ceder o estádio aos clubes.

(Embora o exemplo mundial mais citado de grandes clubes sem estádio próprio não seja muito bom: Internazionale e Milan, que dividem uma arena pública em Milão,têm lucros muito menores nessa área que rivais como Manchester United, Barcelona, Real Madri ou Bayern e, também por isso, têm ficado pra trás em relação a estes no mercado europeu.)

A questão é: o Flamengo sabe quais são as condições necessárias para que valha a pena usar o Maracanã, comparando com o que será praticado no mercado nos próximos anos por clubes como Grêmio, Palmeiras, São Paulo, Inter e Corinthians? Entende quais são as fontes de receita que um clube pode ter com um estádio próprio nos dias de hoje e qual o seu potencial? Sabe quanto custaria a manutenção de uma nova arena? Consegue fazer a conta, levando tudo isso em consideração, do que o concessionário precisa lhe ceder para que o negócio seja melhor do que correr atrás de um parceiro para levantar sua própria arena em outro lugar?

Está na cara que a resposta para todas estas perguntas é não. Mas tiveram tempo para pensar em tudo isso, e mais: para sentar com o governador, tendo todos estes estudos à mão, e exigir que o próprio edital já contivesse as condições mínimas que o futuro concessionário deverá oferecer aos clubes que quiserem jogar por lá. Seria o papel de uma diretoria competente e preocupada com o futuro do clube. E ao próprio governo do Estado isso deveria ser interessante, pois não é bom pra ninguém - governo, clubes, administrador do Maracanã - que daqui a uns anos diretorias menos avoadas de Flamengo e Fluminense percebam que jogar no Mário Filho não é mais um bom negócio e deixem o estádio inativo pela maior parte do tempo, como acontece hoje com o moderníssimo e deficitário Wembley.

O processo de licitação ainda não terminou; na verdade, está no começo. Haverá uma audiência pública em novembro, antes de efetivamente abrirem a concorrência. Poder ser momento para esta diretoria, e também para os candidatos à presidência do clube, começarem a mostrar interesse real no processo e intenção de influenciar pra valer os seus rumos. Espero que todos já tenham, por exemplo, procurado ter acesso ao estudo de viabilidade econômica preparado pela IMX, que está servindo de base para todo este processo, para entender bem que receitas estão esperando que fiquem para o futuro concessionário e o que pode ficar para os clubes. 

Vale também dar uma olhada nos termos do acordo que o Cruzeiro acaba de assinar com os próximos administradores do Mineirão, outro estádio público concedido à iniciativa privada. Por lá, os mineiros terão direito a explorar um monte de espaços com liberdade e a receitas que vão bem além da bilheteria dos jogos. Pode ser uma referência a seguir no futuro, mas é preciso ver como se encaixa nos estudos de viabilidade econômica feitos até agora para o Maracanã.


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Os representantes do Estado que andaram falando sobre a licitação usaram como justificativa para proibir os clubes de participar da concorrência uma espécie de "espírito democrático", dizendo que o Maracanã é um "bem público", todo mundo tem que poder jogar lá, ele não poderia ficar nas mãos de um só.

Beleza. Mas se estivessem mesmo preocupados com o caráter público do Maracanã, além de não torrarem dinheiro do povo para dar lucro a algum grupo de empresários, também incluiriam no processo critérios que evitassem que ele se torne no futuro um enorme e caro teatro de elite, afastado do povo que sempre o frequentou e lhe deu alma. Na Alemanha, por exemplo, país do campeonato mais forte economicamente do Mundo, o campeão nacional - líder mundial em média de público, com mais de 80 mil pagantes por jogo - tem um estádio com uma geral com capacidade maior que estádios como São Januário. São mais de 20 mil lugares a preços baixos, pro torcedor assistir ao jogo em pé, à moda antiga. É um estádio que inclusive recebeu jogos da Copa do Mundo de 2010.

Mas aqui não pode. 

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